A Justiça Federal homologou acordo judicial proposto
pelo Ministério Público Federal (MPF) e assinado pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a regularização fundiária e
ambiental de projetos de assentamentos no oeste do Pará. O acordo estabelece
que 18 assentamentos poderão ser desinterditados imediatamente e, desde que
comprovada a viabilidade técnica e ambiental para a reforma agrária, haverá a
possibilidade de desinterdição de outras 43 áreas.
Criados entre 2005 e 2007, os projetos haviam sido
interditados pela Justiça e ficaram conhecidos como assentamentos fantasmas ou
assentamentos de papel após o MPF ter revelado que foram feitos sem
licenciamento ambiental, sem estudos socioeconômicos, algumas vezes sobrepostos
a unidades de conservação federais e, em muitos casos, sem beneficiar os
clientes da reforma agrária. Segundo o MPF, esses projetos haviam sido criados
dessa forma para beneficiar madeireiros.
A sentença que homologou o acordo foi assinada no
último dia 4 pelo juiz federal Érico Rodrigo Freitas Pinheiro, que atua em
Santarém. O acordo foi assinado pelo MPF, pela presidência do Incra e pela
Advocacia-Geral da União - AGU.
Condições – Para possibilitar que essas áreas sejam
liberadas para uso, o Incra se comprometeu a providenciar a regularização
fundiária e ambiental dos assentamentos, além de investir na implementação e
desenvolvimento desses projetos. Um relatório de acompanhamento dessas
iniciativas deverá ser enviado ao MPF a cada 180 dias.
Elaborado pelo MPF, pelo Ministério Público do Estado
do Pará (MPPA) e pela superintendência regional do Incra no oeste do estado – a
SR-30 –, o acordo suspende processo judicial iniciado em 2007 a partir de ação
do MPF que denunciou irregularidades na implementação de 106 projetos de
assentamento na região.
"O acordo é resultado de várias dezenas de
reuniões envolvendo os órgãos acordantes, movimentos sociais e, em determinada
ocasião, a Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, e garante a
realização de diligências essenciais à liberação dessas áreas para a
implementação da política de reforma agrária no oeste do estado com segurança
fundiária e ambiental", destacou o procurador da República Camões
Boaventura na divulgação da proposição do acordo, em abril de 2017.
Situação dos assentamentos – No mesmo ano do
ajuizamento das ações, em 2007, a Justiça Federal acatou os pedidos urgentes do
MPF e suspendeu os projetos de assentamento. Desses, apenas 24 puderam ser
utilizados para reforma agrária após 2011, quando o Incra provou para a Justiça
que as irregularidades foram corrigidas.
Outros 18 podem ser liberados para a utilização por
famílias beneficiárias da reforma agrária após a assinatura do acordo e
homologação pela Justiça Federal porque não dependem de avaliação técnica da
viabilidade ambiental e produtiva das áreas.
Para as 43 áreas cuja liberação depende da avaliação
de viabilidade, o prazo para a revisão administrativa dos procedimentos de
criação desses assentamentos será de um ano contado da homologação do acordo.
Outros 21 assentamentos já foram avaliados pelo Incra
e considerados inviáveis do ponto de vista técnico ou ambiental.
Entenda o caso – Entre 2005 e 2007, 6% dos assentados
de todo o País foram registrados no Incra de Santarém: 51,7 mil famílias
apareceram nos números anunciados pelo governo como beneficiários da reforma
agrária nos 25 municípios sob jurisdição da SR-30.
Isso significa que, em apenas dois anos, a
superintendência regional assentou 61% das famílias em toda a história da
reforma agrária no oeste paraense, desde que foi estabelecido o primeiro
assentamento na região, em 1927.
Para o MPF, a velocidade de criação de assentamentos
impossibilitou a adequada seleção das famílias beneficiárias. "A inserção
atabalhoada dos dados acarretou o cadastro de beneficiários incompatíveis com o
perfil da agricultura familiar. Adicione-se a tais fatos a ausência de uma
estrutura de fiscalização compatível com o gigantismo dos números de famílias
assentadas e teremos a receita do desastre na gestão de recursos públicos. Como
verificar no campo a efetiva aplicação dos recursos destinados às famílias, ou
mesmo a sua real existência, se o número de servidores é incompatível com o
número de famílias beneficiadas?", questionou o MPF na ação.
De acordo com as investigações do MPF, os projetos de
reforma agrária criados pelo Incra na região nesse período se localizavam
preferencialmente em áreas de mata virgem, evitando regiões já alteradas pela
ação humana, o que significou o assentamento – evidentemente fictício – de
famílias em porções completamente inacessíveis da floresta amazônica.
A explicação para isso, registrada em farta
documentação apreendida pelos procuradores da República, é a ingerência do
setor madeireiro no processo de criação dos assentamentos. Mais de 2 milhões de
hectares foram destinados ao setor privado dessa forma.
"Esta área se destinava à implantação de 43
Projetos de Desenvolvimento Sustentável - PDS em área de floresta primária. Em
termos econômicos, área de elevado potencial madeireiro", alertava a ação.
O MPF chegou a calcular o potencial econômico dos
assentamentos que, na verdade, serviriam para a exploração madeireira,
calculando a área total manejável dos PDS criados na região. "Teríamos a
gigantesca cifra mais de R$ 11,5 bilhões a serem transferidos para a iniciativa
privada mediante a cessão praticamente gratuita de terras públicas à indústria
madeireira".
Fonte: MPF.