A captação de água diretamente de poços
artesianos é permitida para consumo humano somente quando não houver, no local,
abastecimento pela rede pública. No Rio Grande do Sul, especificamente, esse
uso deve se limitar às atividades industriais e de agricultura ou floricultura,
como dispõe o artigo 96 do Decreto estadual 23.430/74.
A prevalência desse entendimento levou a 1ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a manter sentença que
negou o direito de um condomínio residencial de continuar utilizando a água
captada por um poço artesiano.
Por maioria, os desembargadores entenderam
que o decreto estadual não se mostra inconstitucional nem invade a competência
da União, que é concorrente para estabelecer, apenas, normas gerais, visando
proteger o meio ambiente.
‘‘Importa registrar que não se está aqui
apenas a tratar de saneamento básico ou de distribuição de recursos hídricos,
mas de tutelar um bem maior, que é o direito de todos ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, cujo dever de proteção não apenas do Estado, mas
também dos demais entes federados e da própria coletividade, é flagrante (art.
225, Constituição Federal)’’, escreveu no acórdão o relator, desembargador
Carlos Roberto Lofego Caníbal.
Ação declaratória
O condomínio, no ano de 2000, construiu um
poço artesiano com o objetivo de conseguir água de melhor qualidade do que a
fornecida pela Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), mas sem se
desligar da rede pública — uma instalação é independente da outra. Para se
adequar às normas, contratou uma empresa especializada, a fim de obter a
outorga d'água junto ao Departamento de Recursos Hídricos do Estado - DRH, para
que pudesse manter a regular utilização do poço.
Entretanto, apesar de o projeto ter
respeitado os trâmites legais, o órgão público negou a outorga. Com a derrota
administrativa, o autor ajuizou, em face do estado do RS, ação declaratória de
inconstitucionalidade do artigo 96 do Decreto estadual 23.430/74, para se
desobrigar da necessidade de outorga. Ainda pediu que o estado se abstenha de
puni-lo pela extração de águas subterrâneas, entendendo que essa função caberia
à União.
Citado pela 1ª Vara Judicial da Comarca de
Horizontina, o estado rechaçou todos os argumentos da parte autora. Alegou ser
obrigatória a utilização e conexão das edificações urbanas às redes públicas de
abastecimento de água e esgotamento sanitários. Disse que o uso de recursos
hídricos se sujeita à prévia aprovação do estado, ressalvando-se somente os
casos de caráter individual para a satisfação de necessidades básicas para a
manutenção da vida — o que não é o caso dos autos. Salientou que a outorga não
é direito do cidadão ou dever do estado, mas faculdade/disposição do poder
público sobre o seu patrimônio.
Sentença improcedente
O juiz Danilo José Schneider Júnior julgou
improcedente a ação declaratória, por entender que o estado tem poder, sim,
para disciplinar o uso dos recursos hídricos, embora partilhe competência comum
com a União e os municípios. A competência da União para legislar sobre águas,
explicou na sentença, se insere no âmbito do que dispõe o artigo 21, inciso
XIX, da Constituição Federal. Ou seja, limita-se às questões acerca da
instituição do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, criado
pela Lei 9.433/97, e à definição de outorga de direitos de uso. Logo, não é
inconstitucional nem ilegal o artigo 96 do referido decreto.
Para o juiz, a ‘‘competência concorrente’’
decorre da possibilidade de os estados-membros aplicarem restrições
administrativas sobre questões que podem afetar o meio ambiente, mesmo que
essas se relacionem com a matéria correlata a recursos hídricos. Assim,
concluiu que o estado possui competência administrativa para dispor sobre
questões relativas às águas.
Além disso, frisou, o uso de recursos
hídricos não se limita ao aspecto meramente econômico, já que a parte autora
pretende apenas economizar nas suas contas mensais de água.
‘‘Na realidade, [a parte autora] deveria
preocupar-se com a compatibilização do seu interesse individual com o interesse
coletivo de preservação do meio ambiente, eis que sua empresa já é servida por
sistema regular de abastecimento de água tratada (ainda que não a utilize,
conforme disposto no laudo pericial). E o interesse coletivo hoje, e cada vez
mais, é no sentido da preservação do meio ambiente, especialmente dos grandes
mananciais de água doce’’, afirmou.
Fonte: CONJUR.